Sobre a atualidade dos tabus com relação aos professores
Autor: Antonio Zuin
É o desejo do elogio e, principalmente, o medo de ser insultado e humilhado diante de todos os colegas, que fazem com que o aluno se concentre no conteúdo transmitido a fim de que não cometa erros que o transformem num alvo do escárnio sarcástico do professor. O eco de uma repreensão, do tipo: "Então tu não entendes uma coisa tão fácil? Andas com o espírito a passear?", reverbera por um tempo muito maior do que o desejado na mente do aluno humilhado, pois é atualizado no sorriso sarcástico do colega que aprendeu muito bem a lição sadomasoquista de seu mestre: Fique atento! O próximo a ser objeto de gozação pode ser você!
Ora, os alunos não tardam a descobrir, geralmente de forma frustrada, que os modelos que tinham feito de seus professores estão muito longe de corresponder à realidade. O professor é um ser humano, sujeito a falhas e acertos como qualquer outra pessoa. Mas será que tal frustração é discutida pelos agentes educacionais? Ou será que o professor, sobretudo o universitário, percebe essa sensação de mal-estar dos alunos e, ao invés de assumir que pode errar e acertar como qualquer outro indivíduo, aferra-se a um sentimento de superioridade que se expressa em soberba intelectual quando, no alto de sua cátedra, impinge a sua palavra como sendo a derradeira? O pavor de sentir que não é o deus que fora idealizado pelos alunos, bem como a ameaça de não mais poder gozar do prazer narcísico de tal idolatria, impulsiona-o a utilizar desmesuradamente seu poder de reprovar ou não o aluno. Mas ele não pode insultar de forma explícita, tal como no caso do uso das palmatórias, afinal se trata de uma outra cultura, cujas punições são mais eficientes porque são dissimuladas. Os tempos atuais são muito mais afeitos ao professor universitário que discorda do raciocínio do aluno e escreve na sua dissertação, ao lado da nota atribuída, dizeres do tipo: "Você pensa?"
De fato, há oportunidades nas quais os alunos conseguem descarregar em outros colegas aquele ressentimento reprimido, bem como a sensação de onipotência que é prazerosamente fruída quando eles se assemelham aos professores que os agrediram. Uma dessas ocasiões é a chamada aula-trote, realizada na universidade, terreno extremamente fértil para o recrudescimento da explosiva relação entre soberba intelectual (afinal, a universidade é considerada o reduto da produção do conhecimento) e ressentimento "pedagógico". Nessa "aula" que os alunos veteranos ministram aos seus calouros, não por acaso com a conivência dos professores e da universidade, o veterano que se faz de professor e humilha os novatos com bordões autoritários, tais como a ameaça de reprovação, caso o aluno se atrase para a aula, atualiza, ainda que de forma caricata, as mesmas reclamações que os alunos têm de seus professores durante o cotidiano universitário, tal como a falta de diálogo entre os professores e os próprios alunos sobre o conteúdo da disciplina, por exemplo.
A identificação masoquista dos veteranos que abraçam efusivamente os apavorados calouros no final da aula-trote já acena para a legitimação da vingança sádica desses calouros que, no próximo ano, poderão se desforrar da humilhação recebida, na condição de veteranos, nos futuros ingressantes de seus cursos. A aula-trote, que deveria ser um engodo, revela-se uma antecipação daquilo que os calouros vão receber, ainda que de forma mais dissimulada, de seus professores durante o cotidiano universitário. Os alunos veteranos aprenderam muito bem a lição sadomasoquista ensinada por seus mestres: "Suporte com firmeza a sua humilhação, pois você certamente se vingará no próprio colega a dor que teve que reprimir".
Fonte:
ZUIN, Antonio A. S.. Sobre a atualidade dos tabus com relação aos professores. Educ. Soc., Campinas, v. 24, n. 83, Aug. 2003 . Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010173302003000200005&script=sci_arttext&tlng=pt Acesso 14/02/2009.
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