A
vitimização sexual envolve todas as pessoas da família como num sistema. Dessa
forma, deve-se atentar não só para subsistema vítima-abusador, mas incluir uma
compreensão abrangente, circular, não- linear, de todo o macrossistema. Assim,
a avaliação pode ser realizada não só por meio de entrevistas individuais com
os membros da família nuclear e extensa, como também atender em subgrupos,
desde que se tenha o cuidado de não se confrontar a vítima com o agressor.
No
atendimento às famílias abusivas, percebe-se uma maneira peculiar de
funcionamento, no qual todos os integrantes estão envolvidos de alguma forma,
seja de maneira passiva ou ativa no ato da violência.
No
cenário da vitimização apresentada no cotidiano observa-se a
participação de no mínimo três personagens nesta trama complexa e dramática: o
agressor, a mãe – passiva e geralmente conivente ao abuso - e a vítima.
Existem
certos mitos sobre a instituição familiar que podem indicar alguns motivos de
se passar despercebida por tanto tempo a dinâmica abusiva. O mito de que a
família é intocável, sagrada e que, portanto, ninguém deve interferir. Muitas
vezes ouvimos em entrevista, a vítima mencionar que havia compartilhado o
segredo com algum adulto de seu relacionamento, mas este não conseguiu protegê-la.
Outro aspecto da assimetria de poder é noção difundida no senso comum de que os
pais devem educar usando a força física e que também podem fazer o que bem
entenderem com os filhos. Desta forma, os genitores não conseguem reconhecê-los
como sujeito de direitos e ao menos perceber seus sofrimentos psíquicos.
Embora a denúncia seja um
procedimento determinado pelo Código de Ética da Psicologia, a partir da
Resolução CFP 010/2005, item II dos Princípios Fundamentais e em seu artigo 10;
e pelo ECA, art. 245, a subnotificação é uma realidade em nosso país; esta ocorre
devido a vários fatores, como sentimento de culpa, vergonha por parte da vítima
e de seus familiares; receio dos parentes e/ou vizinhos das possíveis
repercussões (polícia e judiciário), a resistência de alguns médicos,
enfermeiros, professores, psicólogos, assistentes sociais que lidam com a
problemática em reconhecê-la e relatá-la.
Outro
dilema é a insistência na constatação de provas materiais exigidas por alguns
juristas que buscam evidências físicas (não encontradas nos casos de assédio,
caricias dos genitais, e exposição à pornografia e outros anteriormente
citados).
Desta
forma, a avaliação psicológica toma vulto neste tipo de violência tão
silenciosa e sem testemunhas. Deve ser empreendida uma investigação técnica
criteriosa da vítima e de seus familiares, e neste sentido, além da inclusão
evidentemente de um trabalho em rede que privilegie ações preventivas e
terapêuticas, a capacitação profissional torna-se um instrumento valioso na
luta pela preservação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.
Diante
das suspeitas de vitimização física, psicológica ou sexual observam-se alguns
sinais importantes: divergência entre os diversos relatos, hesitação para
prestar as informações; a demora em buscar atendimento para a criança/adolescente
agredida, pois quando o dano é produzido pela violência, os responsáveis
relutam em buscar auxílio. Observam-se histórias repetidas de acidentes ou
evidências de traumas freqüentes. E ainda: atraso no desenvolvimento
psicomotor, evasão escolar (visando à
manutenção do complô do silêncio) e atitude de distanciamento dos pais ou
responsáveis quando da observação da interação pai-filho, mãe-filho.
A
partir de uma análise deste grupo social, constatamos padrões de comportamentos
que incluem certa ausência na delimitação entre as fronteiras parentais e
filiais, típicas da família emaranhada. Geralmente,
ocorre uma fusão, e dificuldade de diferenciação entre os indivíduos desta
família e de suas famílias de origem. Freqüentemente o acusado é descrito como “muito
apegado à filha/o” (vítima), em consequência do afeto se dar de forma bastante
erotizada. E é muito comum a vítima ser descrita como “criadora de caso”, como
àquela que traz problemas para a família, que tem mente fantasiosa, e que,
portanto não deve ser levada em consideração.
A
relação afetiva e sexual do casal parental geralmente é distante,
desvitalizada. Quando abordado o tema da sexualidade entre os adultos, as
partes chegam a verbalizar que as relações sexuais eram esporádicas e sem vigor.
Percebe-se
ainda um primitivismo, infantilismo, traços característicos da pedofilia. A
pulsão, o desejo do agressor torna-se preponderante à dor a ser infringida à
criança. Nesta linha é constatado o mito falocêntrico de que a mulher deve
servir o homem na cama e na mesa, então a vítima é escolhida para preencher
esta falta.
As
mensagens de comunicação entre a família abusiva e a sociedade seguem o modelo
de um sistema fechado, em que as trocas de informações são filtradas,
reprimidas, sem espontaneidade, como uma forma de manter e controlar o segredo
da violência. Assim é mantida a homeostase do sistema familiar, que é definida
como um processo de auto-regulação e que mantém a estabilidade do sistema,
protegendo-o das mudanças que pudessem destruir sua organização, de modo a
preservar o seu funcionamento.
Quando o caso ingressa no
judiciário e muito provavelmente já passou pelo conselho tutelar, delegacia ou
outras instituições, a dinâmica familiar sofreu um impacto, está totalmente
alterada, todos estão assustados e com os mecanismos de defesa acirrados. A
prática comprova que o acusado tende a negar na maior porcentagem dos casos. Se
a criança ou o adolescente tiver que ser abrigado, o encaminhamento para a
terapia deve ser providenciado com urgência, assim como é imprescindível o
acompanhamento criterioso pelos técnicos do Judiciário, lembrando que esta é
uma medida excepcional e transitória até que encontrem soluções mais saudáveis
para o seu desenvolvimento.
Nos
atendimentos nas varas, percebe-se que as figuras parentais em sua grande
maioria já sofreram algum tipo de vitimização (física, psicológica, sexual,
negligência, abandono), em suas famílias de origem e as repetem na atualidade.
Durante
o processo avaliativo é possível identificar, analisar e relacionar aspectos da
estrutura e dinâmica das famílias quanto às regras familiares, papéis
familiares, mitos e segredos, padrões de repetição, relações hierárquicas,
padrões de afetividade (alianças e coalizões).
As
escolhas afetivas inconscientes dos adultos formam a história da família de
origem e refletem repetições, como explicam a psicanálise e a terapia familiar. A
primeira escola considera que a carga pulsional é genética, as pulsões de vida
e de morte são transmitidas de modo inconsciente, associada às características
peculiares da relação mãe-filho e, por vezes, pouco consciente, que não
ofereceu subsídios para esta pessoa, enquanto bebê, se diferenciar do outro e
tornar-se capaz de resistir às frustrações durante seu desenvolvimento pela
vida.
Assim,
na maturidade este indivíduo escolhe alguém complementar ao seu quadro, que
também pode ter tido um frágil acolhimento de seus pais, que não tinham
consciência e intenção de serem maléficos na transmissão de modelos
identificatórios como figuras parentais.
Nestes
casos de vitimização sexual, a criança é colocada em uma situação patológica,
em que seu desejo ao invés de ser interditado, ao contrário, é atuado, trazendo
evidentemente muita angústia, culpa, baixa auto-estima, auto-aniquilamento,
sintomas decorrentes do mau funcionamento das relações intra-familares.
Percebe-se uma extrema permissividade, dificuldade das figuras parentais em
colocar limites, as fronteiras e os papéis são confusos. A genitora por ser
desvitalizada, frágil, passiva, porém as relações são sempre interativas e
dinâmicas. Para a psicanálise, o psicodrama, a gestalt terapia, a terapia
familiar sistêmica dentre outras teorias, a instituição familiar possibilita um
amplo campo de investigações e reflexões, oferecendo a possibilidade de buscar
esclarecer as complexas relações afetivas que ocorrem em seu interior, como,
por exemplo, as que dizem respeito ao exercício da maternidade e a paternidade.
Cabe ressaltar que dentre os
diversos instrumentos à disposição da Psicologia, os testes são ferramentas
ainda muito utilizadas pelos profissionais do judiciário.
No entanto, em face das
recentes discussões que vem sendo travadas sobre a fidedignidade destes.
Conforme já sugerido é importante que os psicólogos consultem regularmente o site Conselho Federal, para que se
atualizem sobre resoluções que regem o exercício da Psicologia, bem como a
lista de testes atualizados.
Fonte :
Manual
de Procedimentos Técnicos: Atuação dos profissionais de assistência social e
psicologia. Tribunal de justiça do estado de são Paulo. Vol. 1, 2007. Disponível em <http://www.tjsp.jus.br/Download/Corregedoria/pdf/manual_de_procedimentos.pdf> Visto em 18 de Out. 2015.
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