18 de outubro de 2015

Temas de avaliação psicológica na prática jurídica - Violência Sexual


A vitimização sexual envolve todas as pessoas da família como num sistema. Dessa forma, deve-se atentar não só para subsistema vítima-abusador, mas incluir uma compreensão abrangente, circular, não- linear, de todo o macrossistema. Assim, a avaliação pode ser realizada não só por meio de entrevistas individuais com os membros da família nuclear e extensa, como também atender em subgrupos, desde que se tenha o cuidado de não se confrontar a vítima com o agressor.

No atendimento às famílias abusivas, percebe-se uma maneira peculiar de funcionamento, no qual todos os integrantes estão envolvidos de alguma forma, seja de maneira passiva ou ativa no ato da violência.

No cenário da vitimização apresentada no cotidiano observa-se a participação de no mínimo três personagens nesta trama complexa e dramática: o agressor, a mãe – passiva e geralmente conivente ao abuso - e a vítima.

Existem certos mitos sobre a instituição familiar que podem indicar alguns motivos de se passar despercebida por tanto tempo a dinâmica abusiva. O mito de que a família é intocável, sagrada e que, portanto, ninguém deve interferir. Muitas vezes ouvimos em entrevista, a vítima mencionar que havia compartilhado o segredo com algum adulto de seu relacionamento, mas este não conseguiu protegê-la. Outro aspecto da assimetria de poder é noção difundida no senso comum de que os pais devem educar usando a força física e que também podem fazer o que bem entenderem com os filhos. Desta forma, os genitores não conseguem reconhecê-los como sujeito de direitos e ao menos perceber seus sofrimentos psíquicos.

Embora a denúncia seja um procedimento determinado pelo Código de Ética da Psicologia, a partir da Resolução CFP 010/2005, item II dos Princípios Fundamentais e em seu artigo 10; e pelo ECA, art. 245, a subnotificação é uma realidade em nosso país; esta ocorre devido a vários fatores, como sentimento de culpa, vergonha por parte da vítima e de seus familiares; receio dos parentes e/ou vizinhos das possíveis repercussões (polícia e judiciário), a resistência de alguns médicos, enfermeiros, professores, psicólogos, assistentes sociais que lidam com a problemática em reconhecê-la e relatá-la.

Outro dilema é a insistência na constatação de provas materiais exigidas por alguns juristas que buscam evidências físicas (não encontradas nos casos de assédio, caricias dos genitais, e exposição à pornografia e outros anteriormente citados).



Desta forma, a avaliação psicológica toma vulto neste tipo de violência tão silenciosa e sem testemunhas. Deve ser empreendida uma investigação técnica criteriosa da vítima e de seus familiares, e neste sentido, além da inclusão evidentemente de um trabalho em rede que privilegie ações preventivas e terapêuticas, a capacitação profissional torna-se um instrumento valioso na luta pela preservação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Diante das suspeitas de vitimização física, psicológica ou sexual observam-se alguns sinais importantes: divergência entre os diversos relatos, hesitação para prestar as informações; a demora em buscar atendimento para a criança/adolescente agredida, pois quando o dano é produzido pela violência, os responsáveis relutam em buscar auxílio. Observam-se histórias repetidas de acidentes ou evidências de traumas freqüentes. E ainda: atraso no desenvolvimento psicomotor, evasão escolar (visando à manutenção do complô do silêncio) e atitude de distanciamento dos pais ou responsáveis quando da observação da interação pai-filho, mãe-filho. 

A partir de uma análise deste grupo social, constatamos padrões de comportamentos que incluem certa ausência na delimitação entre as fronteiras parentais e filiais, típicas da família emaranhada. Geralmente, ocorre uma fusão, e dificuldade de diferenciação entre os indivíduos desta família e de suas famílias de origem. Freqüentemente o acusado é descrito como “muito apegado à filha/o” (vítima), em consequência do afeto se dar de forma bastante erotizada. E é muito comum a vítima ser descrita como “criadora de caso”, como àquela que traz problemas para a família, que tem mente fantasiosa, e que, portanto não deve ser levada em consideração.

A relação afetiva e sexual do casal parental geralmente é distante, desvitalizada. Quando abordado o tema da sexualidade entre os adultos, as partes chegam a verbalizar que as relações sexuais eram esporádicas e sem vigor.

Percebe-se ainda um primitivismo, infantilismo, traços característicos da pedofilia. A pulsão, o desejo do agressor torna-se preponderante à dor a ser infringida à criança. Nesta linha é constatado o mito falocêntrico de que a mulher deve servir o homem na cama e na mesa, então a vítima é escolhida para preencher esta falta.

As mensagens de comunicação entre a família abusiva e a sociedade seguem o modelo de um sistema fechado, em que as trocas de informações são filtradas, reprimidas, sem espontaneidade, como uma forma de manter e controlar o segredo da violência. Assim é mantida a homeostase do sistema familiar, que é definida como um processo de auto-regulação e que mantém a estabilidade do sistema, protegendo-o das mudanças que pudessem destruir sua organização, de modo a preservar o seu funcionamento.

Quando o caso ingressa no judiciário e muito provavelmente já passou pelo conselho tutelar, delegacia ou outras instituições, a dinâmica familiar sofreu um impacto, está totalmente alterada, todos estão assustados e com os mecanismos de defesa acirrados. A prática comprova que o acusado tende a negar na maior porcentagem dos casos. Se a criança ou o adolescente tiver que ser abrigado, o encaminhamento para a terapia deve ser providenciado com urgência, assim como é imprescindível o acompanhamento criterioso pelos técnicos do Judiciário, lembrando que esta é uma medida excepcional e transitória até que encontrem soluções mais saudáveis para o seu desenvolvimento.

Nos atendimentos nas varas, percebe-se que as figuras parentais em sua grande maioria já sofreram algum tipo de vitimização (física, psicológica, sexual, negligência, abandono), em suas famílias de origem e as repetem na atualidade.

Durante o processo avaliativo é possível identificar, analisar e relacionar aspectos da estrutura e dinâmica das famílias quanto às regras familiares, papéis familiares, mitos e segredos, padrões de repetição, relações hierárquicas, padrões de afetividade (alianças e coalizões).

As escolhas afetivas inconscientes dos adultos formam a história da família de origem e refletem repetições, como explicam a psicanálise e a terapia familiar. A primeira escola considera que a carga pulsional é genética, as pulsões de vida e de morte são transmitidas de modo inconsciente, associada às características peculiares da relação mãe-filho e, por vezes, pouco consciente, que não ofereceu subsídios para esta pessoa, enquanto bebê, se diferenciar do outro e tornar-se capaz de resistir às frustrações durante seu desenvolvimento pela vida.

Assim, na maturidade este indivíduo escolhe alguém complementar ao seu quadro, que também pode ter tido um frágil acolhimento de seus pais, que não tinham consciência e intenção de serem maléficos na transmissão de modelos identificatórios como figuras parentais.


Nestes casos de vitimização sexual, a criança é colocada em uma situação patológica, em que seu desejo ao invés de ser interditado, ao contrário, é atuado, trazendo evidentemente muita angústia, culpa, baixa auto-estima, auto-aniquilamento, sintomas decorrentes do mau funcionamento das relações intra-familares. Percebe-se uma extrema permissividade, dificuldade das figuras parentais em colocar limites, as fronteiras e os papéis são confusos. A genitora por ser desvitalizada, frágil, passiva, porém as relações são sempre interativas e dinâmicas. Para a psicanálise, o psicodrama, a gestalt terapia, a terapia familiar sistêmica dentre outras teorias, a instituição familiar possibilita um amplo campo de investigações e reflexões, oferecendo a possibilidade de buscar esclarecer as complexas relações afetivas que ocorrem em seu interior, como, por exemplo, as que dizem respeito ao exercício da maternidade e a paternidade.

Cabe ressaltar que dentre os diversos instrumentos à disposição da Psicologia, os testes são ferramentas ainda muito utilizadas pelos profissionais do judiciário.

No entanto, em face das recentes discussões que vem sendo travadas sobre a fidedignidade destes. Conforme já sugerido é importante que os psicólogos consultem regularmente o site Conselho Federal, para que se atualizem sobre resoluções que regem o exercício da Psicologia, bem como a lista de testes atualizados.

Fonte :
Manual de Procedimentos Técnicos: Atuação dos profissionais de assistência social e psicologia. Tribunal de justiça do estado de são Paulo. Vol. 1, 2007. Disponível em <http://www.tjsp.jus.br/Download/Corregedoria/pdf/manual_de_procedimentos.pdf> Visto em 18 de Out. 2015.


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