É necessário que o psicólogo se atente para o maior número
possível de elementos disponíveis, como a coleta do relato da situação
vivenciada, a análise das repercussões físicas e psicológicas, entrevistas com
os responsáveis, registros escolares, entre outros, a fim de que se obtenham
conclusões confiáveis com relação às situações relatadas .Também é importante
considerar se a situação descrita é condizente com experiências narradas por
outras vítimas, se o afeto é correspondente ao conteúdo da verbalização, se o
estilo de exposição se modifica quando o assunto específico da situação abusiva
é introduzido e se há evidências de treinamento, indução, sugestão ou alguma motivação
para aquela denúncia.
É preciso considerar a faixa etária da vítima, bem como a situação
emocional desencadeada pelo possível abuso vivenciado. Conforme o protocolo empregado
pela Universidade de Michigan a estrutura da entrevista deve contemplar,
basicamente, três etapas: a etapa inicial (rapport, estabelecimento das
regras básicas da entrevista, avaliação do nível de desenvolvimento do
avaliado, bem como se o menor sob avaliação consegue distinguir realidade e
fantasia, investigação de outras questões sobre a sua vida), a etapa focalizada
no abuso (empregar perguntas abertas, indagar se o examinado conhece o motivo
pelo qual está ali, estimular o relato livre e desenvolver questionamentos a
partir do que é emitido) e a etapa do encerramento (informar ao periciado sobre
os próximos passos a serem tomados, colocar-se disponível, ajudá-lo a
restabelecer o equilíbrio, incluindo a manifestação de sentimentos, pensamentos
e atitudes em relação à revelação e a situação vivenciada).
Dessa maneira, o relato da
vítima constitui, na maioria das vezes, um dos principais elementos de prova e,
por sua importância no processo, há grande ênfase, atualmente, na credibilidade
do testemunho da vítima. Logo, a análise dos critérios de confiabilidade e validade
do relato emitido pela criança ou adolescente a respeito da suposta situação
abusiva vivenciada mostra-se fundamental). Um método que tem sido amplamente
utilizado é o Statement Validity Assessment (SVA; Steller & Boychuk,
1992), que é composto por três etapas: entrevista semiestruturada, análise de
conteúdo baseada em critérios (Criteria-Based Content Analysis - CBCA),
em que se avalia a presença de critérios específicos considerados indicadores
de credibilidade, e a lista de controle de validade dos resultados obtidos pelo
CBCA.
Além de entrevistas com as
vítimas e responsáveis, o uso complementar de testes psicológicos é um
procedimento bastante utilizado, cujo objetivo é buscar sinais e sintomas
cognitivos, emocionais e comportamentais compatíveis com a ocorrência do abuso
sexual. No Brasil, os psicólogos devem selecionar, a partir dos instrumentos de
psicologia reconhecidos pelo CFP, aqueles que mais atendam à criança e/ou ao
adolescente, levando em consideração alguns critérios como a idade, as
características da vítima e as circunstâncias de cada caso Convém ressaltar que
não existem instrumentos psicológicos específicos direcionados para a
constatação da violência sexual. Portanto, destaca-se prudência na busca por
manifestações comportamentais compatíveis com essa vitimização, tendo em vista
que muitos sintomas são inespecíficos e podem estar presentes em outros
quadros, produzindo falso-positivos. Em virtude disso, é relevante uma análise
da causalidade (nexo causal) entre o evento traumático experienciado e os
sintomas manifestados, avaliando a presença de outros aspectos no histórico e
no contexto de vida da criança que podem estar contribuindo para o quadro
sintomatológico. Recursos lúdicos também são utilizados, visto que a
brincadeira pode auxiliar o vínculo e fornecer indicadores sobre quais aspectos
necessitam de investigações adicionais, além de corroborar impressões prévias
sobre o nível de desenvolvimento e o funcionamento geral da criança.
De maneira geral, destaca-se
a importância dos peritos respeitarem o ritmo de discurso da vítima e não
emitirem julgamentos sobre o que está sendo relatado Devem estar atentos para a
comunicação não verbal, para a tonalidade emocional e para a postura, aceitando
possíveis incoerências, lacunas de informação e contradições no discurso do
periciado. Além disso, deve-se cuidar para não contaminar os dados fornecidos
pela vítima, criando falsas memórias.
Estudos têm investigado o
processo de falsas memórias no relato de testemunhos, identificando que
perguntas feitas de forma tendenciosa podem influenciar o relato, conduzindo a
falsas confissões e a informações equivocadas, resultando, consequentemente, em
depoimentos inverídicos. Deve-se, portanto, fazer perguntas abertas, não
tendenciosas, de forma a não influenciar a vítima Ao mesmo tempo, na realização da perícia
psicológica, é preciso estar atento para a possibilidade de falsas denúncias,
como em casos de divórcio, disputas de guarda, pensão alimentícia e alienação
parental, situações nas quais um dos cuidadores pode influenciar a criança ou o
adolescente a relatar uma situação abusiva com o intuito de prejudicar o genitor
que está sendo acusado ou para obter algum tipo de vantagem. Assim, o psicólogo
necessita constantemente atentar para esses inúmeros aspectos, considerando,
também, que manipular a criança ou o adolescente a dar um depoimento falso pode
ser considerado um tipo de violência e, inclusive, acarretar em sérias implicações
para o seu desenvolvimento. Portanto, a atividade pericial requer tanto
conhecimento aprofundado no assunto, quanto boa capacidade de tomada de decisão
Percebe-se, portanto, que o depoimento da criança em juízo (prova
testemunhal) e a perícia psicológica (prova material/pericial) não são
procedimentos equivalentes, visto que possuem peculiaridades próprias e ocorrem
em momentos distintos. Apesar disso, ambas as ferramentas são importantes,
complementares e têm c como objetivo comum auxiliar no esclarecimento do caso.
Fonte:
Schaefer,
L. S., Rosseto, S., & Kristensen, C. H. (2012). Perícia psicológica no
abuso sexual de crianças e adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(2).
Disponível : <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v28n2/11.pdf>
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