5 de maio de 2009

DESASTRES: PERDAS E CONSEQUÊNCIAS

Prestar assistência à população em situações de crise é função específica de psicólogos.

No Brasil, existem apenas dois grupos que prestam assistência especializada em situações traumáticas e de crise: o Ipê (Intervenções Psicológicas em Emergência), em São Paulo, e o APICE (Assistência Psicológica em Crise e Emergência), em Fortaleza. A coordenadora desse serviço no Ceará, a psicóloga Sarah Vieira Carneiro, mestre pela PUC/SP, trabalha com perdas e luto há dez anos, sendo referência no atendimento das vítimas do desastre do vôo TAM JJ3054, no Estado do Ceará.

Não saber como agir numa emergência pode potencializar ainda mais as conseqüências de uma situação traumática. Qual o papel do psicólogo com formação em crise e emergência?

Cada ocorrência é distinta, a depender do número de pessoas envolvidas, da extensão do dano, da cobertura da mídia, do número de mortos ou feridos, da natureza da crise, mas o psicólogo treinado tem algumas diretrizes de atuação. No pré-desastre, trabalhamos com psico-educação em desastre (levar informações às pessoas em risco quanto às medidas preventivas, às reações psicológicas e comportamentais esperadas). As pessoas reagem “normalmente” a uma situação anormal. Simplesmente saber disso já as tranqüiliza e capacita para bom manejo da situação. Na fase do desastre propriamente dito, temos como função proteger psicologicamente os sobreviventes de se expor a mais situações traumáticas. As pessoas perdem a noção de tempo/espaço e do perigo, ficam desorientadas, confusas e podem se colocar em grande risco. Nesta fase, temos o papel de avaliar quem são as pessoas que necessitarão de apoio psicológico/médico continuado. No pós-desastre, acontece o acompanhamento do processo de luto advindo e das pessoas que desenvolveram algum distúrbio psicológico, a despeito de toda a intervenção. Não se trata de uma psicoterapia comum; é preciso treinamento para realizá-la.

Existe no Brasil a preocupação em assistir as pessoas submetidas a situações traumáticas?

Ainda não há pesquisas que apontem cabalmente qual o tipo de desastre mais traumático. Nos desastres ditos naturais, há uma tendência da população menos escolarizada de pôr a culpa em Deus e de não buscar “justiça”. No Brasil, existem dois grupos que fazem essa assistência especializada. O Ipê (Intervenções Psicológicas em Emergência), em São Paulo, e o APICE (Assistência Psicológica em Crise e Emergência), no Ceará. Infelizmente, o sofrimento das vítimas de crises ainda não foi reconhecido pelo poder público, levando tais grupos a atender através da iniciativa privada. O Corpo de Bombeiros e a Defesa Civil fazem um trabalho exemplar no Ceará, mas não podemos dizer que assistam psicologicamente as pessoas.

Fale-nos sobre os cursos de capacitação e os profissionais aptos a ter essa formação.

Esta área da Psicologia é bem recente. A capacitação ainda é muito irregular e incipiente no mundo, a exceção de meia dúzia de países, onde atentados terroristas e desastres naturais de grandes proporções são mais freqüentes. Falta pessoal especializado e que tenha disponibilidade para integrar as equipes. O profissional tem de ter também um esquema de emergência próprio. Sabemos quando uma crise começa, mas não quando termina e quando poderemos voltar para casa. Na queda do vôo TAM JJ3054, fiquei praticamente dois meses seguidos em São Paulo assistindo as vítimas. A situação de quem trabalha com desastres também é complicada e deve ser monitorada por colegas ou pela supervisão. Estão aptos (e devem) participar de treinamento todos os profissionais que atuam ou desejam atuar em situações emergenciais: policiais, do Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, psicólogos, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, profissionais de segurança privada, agentes funerários. No Norte-Nordeste, o APICE realiza cursos periódicos de capacitação e seleção de novos integrantes.

Apesar da assistência dada às pessoas que enfrentam situações traumáticas, quase nada é feito para tratar a condição psicológica.

É louvável a iniciativa dos órgãos públicos no sentido de garantir abrigo, comida e roupa aos desabrigados. Isso é de importância vital. São necessidades básicas: estar seguro fisicamente, comer e descansar. Infelizmente, tal intervenção, quando isolada, está baseada num equívoco clássico, o de que só o que importa é a segurança física, como se fosse possível dissociar o ser humano em corpo e mente. Sem dúvida, a vida é nosso bem mais precioso, mas o poder público fica estático quando o risco de morte está excluído. Como exemplo, temos os tremores de terra em Sobral. O número de mortos é zero, há poucos feridos, mas a população está em pânico. A rotina da comunidade foi severamente atingida, as pessoas não sabem mais como se comportar, afluindo aos montes nos serviços de saúde. Somente as intervenções psicológica, educativa e social poderão acessar e minimizar tamanho mal estar. Vale deixar claro que o trabalho da equipe de Psicologia de Emergência torna muito mais eficaz e fácil o trabalho das outras equipes, potencializando as ações dos governos.

O que pode ser feito para que a população receba intervenção psicológica?

Na maioria dos casos, somente a cooperação com o poder público poderia garantir assistência especializada às vítimas. O trabalho em crise é eminentemente um trabalho em rede, de cooperação entre as equipes de primeiros socorros, membros da comunidade, representantes do terceiro setor, mídia e a equipe de emergência psicológica. É necessário que as pessoas saibam da existência e da disponibilidade desse serviço. O que também se observa é uma enorme demanda reprimida: pessoas que passaram por algum evento traumático e continuam sofrendo, achando simplesmente que isso é normal... E vão reduzindo suas vidas cada vez mais, reféns do medo, da insônia, da depressão e de uma série de outros sintomas e doenças.

Fale-nos sobre a condição dessas pessoas que possuem maior risco de desenvolver doenças físicas e psicológicas.

As pessoas que passaram por uma experiência traumática (perda de um ente querido, abuso sexual, seqüestro, assalto, catástrofe) têm risco aumentado para uma série de sintomas e doenças, como ansiedade, depressão, transtorno de estresse agudo e pós-traumático, síndrome do pânico, insônia, distúrbios alimentares, enxaquecas, dores inespecíficas, problemas de pele, distúrbios gastrintestinais, oscilações de pressão, desmaios, abuso de álcool/drogas. Há ainda a terrível sensação de não estar seguro, de que o mundo é um lugar muito perigoso e incontrolável, que as pessoas não são dignas de confiança, levando ao retraimento social, problemas no trabalho e conflitos familiares, podendo evoluir inclusive para o suicídio. Devemos estar mais atentos às crianças, idosos e às pessoas com algum tipo de necessidade especial. É notável a depressão do sistema imunológico, aliada à falta de auto-cuidado, diante de uma exposição excessiva e/ou continuada a eventos estressantes.

O que fazer no caso das pessoas com transtorno de estresse pós-traumático, abuso de álcool/drogas?

Ante a um diagnóstico decorrente de trauma, há de se fazer o encaminhamento apropriado, qual seja: psicoterapia com psicólogo emergencista e acompanhamento médico. A depender do diagnóstico, deve-se lançar mão das mais variadas especialidades: nutrição, fisioterapia, terapia ocupacional, serviço social, dentre outras. No caso do abuso de drogas, deve-se avaliar, ainda, a necessidade de internação em instituição especializada. A avaliação do plano de tratamento deve ser conduzida pelo médico e o psicólogo de emergência. Devemos trabalhar na prevenção e nela concentrar nossos esforços, pois uma vez instalada a doença, ela pode tornar-se crônica e de difícil controle, causando diversos danos secundários. É menos dispendioso em termos econômicos e emocionais colocar equipes de prevenção (antes e durante a ocorrência) em campo do que tratar doenças/comportamentos desadaptativos já instalados.

Por Giovanna Sampaio
Artigo Publicado no Jornal Diário do Nordeste em 08/06/2008 .Disponível em http://www.defesacivil.ce.gov.br/Artigo-desastre.asp

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