29 de maio de 2009

Pelego

E´ sabido que todo psicanalista deve, ele mesmo, fazer análise antes de começar a analisar os outros. Segundo o analista de Bagé, isto acontece pela mesma razão que um cirurgião desinfeta as mãos "antes de mexê em tripa alheia" é para "o vivente descobri se não tá na profissão só pra ouvi bandalheira". O próprio analista de Bagé precisou se analisar, mas não passou da primeira sessão e teve que ser contido para não cumprir sua ameaça de sangrar seu analista, porque "esse aí só serve pra morcilha".
- Mas morcilha de sangue de gente não presta.
- Então não serve pra nada!
Nunca se soube muito bem o que houve durante a sessão, mas por muito tempo o analista de Bagé só se referia ao outro como "más bisbilhoteiro que filho de empregada".
A solução foi o próprio analista de Bagé se auto-analisar. Ele mesmo conta que foi um pouco cansativo ficar pulando do banquinho para o pelego e do pelego para o banquinho durante cinqüenta minutos, mas valeu a pena.
- Hoje me conheço de me tratar por tu e dividi palheiro, tchê.
Ninguém esteve presente, é claro, mas foi possível fazer uma razoável reconstituição do diálogo entre o analista de Bagé e ele mesmo, logo depois da formatura.
- Mas então, tchê?
- Pôs to aqui.
- Que venham os loco?
- Que venham os loco que eu reparto de pechada, tchê.
- Oigalê!
- Por Freud e Silveira Martins.
- Oigatê!
- Se corcoveá, eu monto.
- E dá de relho.
- Bueno, de relho não. De relho, só cavalo aporreado e china respondona.
- Guasca velho! E tu não tem nada pra botar pra fora? Recalque, complexo ou arroto?
- Mas o que é isso, índio velho? Tu sabe que bageense é como vitrine de belchior, tá tudo ali na frente. Escondido só bragueta de gordo.
- Não é como essas outra raça.
- Pos não é. Tem raça que é que nem cestinha de morango. Por baixo é tudo podre.
- Bueno, se todo mundo fosse gaúcho, ser gaúcho não era vantagem.
- E ia faltar mate.
- Deus fez os outros primeiro e o gaúcho quando pegou a prática.
- Por isso é que tem tanto índio desajustado.
- Teu trabalho é curar esses desgarrado.
- E tu acha que eu to pronto, tchê?
- Mas tu ta virando carvão, tchê! Salta daí e vai trabalhar.




LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO, Histórias do analista de Bagé,

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