29 de dezembro de 2008

FREUD EXPLICA

Texto extraído do livro Freud explica de Alberto Godin, fala sobre o medo de viajar de avião e achei interessante, pois serve para entender os mecanismos de várias fobias e o elemento “místico” no texto abaixo me chama muita atenção, é sempre um conflito pessoal unir minhas crenças com o conhecimento que a psicologia traz.



A onipotência é um sistema que converte o indivíduo num imaginário diretor de cena e este mecanismo tem várias manifestações. Uma delas é a ONIPOTÊNCIA DO PENSAMENTO que supõe que os pensamentos surgidos, tanto no avião como no caminho para o aeroporto, são fundamentais para decidir se o vôo chegará ou não ao seu destino.

Um exemplo desta situação é alarmar-se por lembrar de uma pessoa que sofreu um acidente, analisar o número da poltrona e interpretá-lo como um recado do destino que nos avisa da proximidade da tragédia. Qualquer demora ocasional, nessas condições psicológicas, é interpretada como um prenúncio de fatalidade.

O que ocorre é que NEM SABEMOS E NEM PODERÍAMOS SABER com certeza o que acontecerá. O mecanismo onipotente está ali para não aceitar a impossibilidade humana de conhecer seu futuro imediato.

Essa ignorância não é específica da viagem de avião; é um sentimento que nos acompanha durante toda a vida, mas nesta ocasião torna-se insuportável.


O PREDESTINADO

Ainda que a fobia reduza momentaneamente a capacidade intelectual, quem a sofre sabe que os acidentes aéreos são muito pouco freqüentes; mas tem o exato sentimento de que, por serem pouco prováveis, o dia escolhido para ocorrer é precisamente aquele em que ele é um dos passageiros. E ainda que racionalmente compreenda que sua presença no vôo nada tem de particular, no íntimo tem a certeza de que este será um dia diferente.

O mais correto seria dizer que ele é um indivíduo especial e, se lhe permitirmos, nos contará todas as coisas casuais ou inesperadas que lhe ocorreram na vida. Basta para isso que durante um dia se acumulem dificuldades, que tudo lhe saia errado, para sentir-se pessoalmente tocado por esse destino. O contrário também vale quando as coisas da vida se organizam de forma surpreendentemente favorável. Logo considerará isto uma nova prova de sua excepcionalidade.

Sofre de uma espécie de ilusão de ótica muito difundida entre os que padecem de fobia. A ilusão consiste em que, como SEMPRE ESPERA O PIOR, quando algo acontece, também se confirma que possui um talento especial para antecipar os fatos. A contrapartida é que numa infinidade de situações O PIOR NÃO SE CONFIRMOU, mas, curiosamente, esse fato carece de importância para sua estatística subjetiva. O óbvio, então, é que tem a certeza de ser objeto de um destino singular; ser um escolhido de Deus, enorme honra, mas, também, pesada carga. Porque se Deus se ocupa pessoalmente do seu futuro, quer dizer que tem com ele um pacto de reciprocidade e, se valoriza e precisa muito desse pacto, conservará a fobia para não perdê-lo. Ou seja, é justamente a fobia o que marcará a condição de predileto de Deus.

A própria fobia é sinal da eleição divina. Se considerássemos por um instante a possibilidade dele ser um simples ser humano, sujeito a banais possibilidades estatísticas, denunciaríamos a fobia como um puro ato de arrogância.



In GOLDIN, Alberto, Freud Explica... 4ª ed., Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1989.

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