19 de dezembro de 2008

Quando a psicoterapia falha

Por José Geraldo Rabelo*

Durante 25 anos, venho trabalhando com psicoterapia, atendendo crianças, adolescentes e adultos, individualmente ou em família, e a várias observações cheguei a respeito das falhas no processo psicoterápico.

Iniciamos dizendo que não existe psicoterapia individual, já que se trabalha, no consultório, no mínimo, com duas pessoas, cliente e psicoterapeuta. O que se aprende na faculdade sobre o não-envolvimento com o cliente vem sendo motivo de muitas discussões, mas acredito que não se pode ajudar uma pessoa sem um mínimo de envolvimento possível. O processo psicoterápico atual não funciona mais como funcionava há 15 anos, século passado, quando o cliente apenas falava e o profissional apenas ouvia ou pouco falava. Temos hoje uma clientela mais exigente e mais informações a respeito de como podem ser ajudados, quais os objetivos na psicoterapia e as diversas abordagens psicoterápicas; assim temos um diálogo mais aberto, mais humanista, voltado, assim se espera, para um mesmo objetivo: “duas pessoas que se encontram para se evoluir e se “conhecer”, sem, contudo, misturar os papéis e objetivos – cliente e psicoterapeuta”.

De um lado, nós temos a resistência de alguns profissionais, menos experientes, que se julgam “deuses” e acreditam que o cliente nada pode saber a seu respeito, o que vai dificultar a relação e o crescimento – o vínculo – pois pode existir a simpatia, mas dificulta o surgimento da empatia, ferramenta-chave no processo psicoterápico. Vejo e ouço de clientes que já tenham passado por outros profissionais que a falta de “envolvimento” do profissional no processo não fazia a terapia desenvolver, e a relação fora-se tornando apática. Claro que não podemos dirigir o cliente, tampouco lhe dar caminhos “prontos”, mesmo porque não existe caminho “pronto”, cada indivíduo segue seu próprio caminho com ou sem ajuda. A tomada de partido também tem sido uma das falhas no processo, pois já ouvi de cliente que o profissional “X” pediu que a mesma não falasse mais de seu ex-noivo (“ele foi um traidor e é o responsável pela sua depressão”), “se ele te traiu, não pense duas vezes... faça o mesmo com ele”, “foi-se a época em que nós (mulheres) dependíamos deles (homens)... separe-se logo e vai cuidar de sua vida... você já perdeu muito tempo”, “seu pai é o único responsável por tudo que você está passando”, e muitos outros absurdos.

Apesar das dificuldades pessoais de todo psicoterapeuta, temos também profissionais que só seguem um caminho, conhecem apenas uma abordagem psicoterápica e querem moldar o cliente, a qualquer custo; é como ir comprar uma roupa e tentar moldar o corpo para que se adapte a ela. Sabemos que o tempo que ficamos na faculdade só dá um “empurrão”; mas continuar lendo livros, participar de encontros, palestras e cursos, mesmo de pequena duração, é fator “sine qua non” ao crescimento profissional que terá, com certeza, mais argumentação durante uma sessão de psicoterapia.

Acredito que um “bom” psicoterapeuta, antes de qualquer coisa, deve estar sempre atento e aberto ao aprendizado, revendo diariamente conceitos de temas complexos e sempre atuais, tais como: ser humano, religião e Deus, amor e paixão, vida e viver, individualidade e individualismo, Psicologia e psicologismo, sexo e sexualidade, “pecado” e sentimento de culpa, doente e doença, perdão e desculpa, traição e “des-traição”, mortalidade e imortalidade, finito e infinito, alma e fé, comodismo e bom senso, vergonha e orgulho, dentre outros. Temas que a “certeza” pode levar ao caos e ao aniquilamento do Ser. Cabeça feita é aquela que precisa ser re-feita. Cuidado!

Um processo psicoterápico, seja qual for a abordagem utilizada, jamais terá sucesso se não estiver sustentado no amor e no crescimento “espiritual” do cliente, o que independe de sua crença religiosa.

O outro lado do processo psicoterápico, com certeza, tem também as suas resistências, não diria nem maior nem menor; cada relação tem suas particularidades, portanto, pode ter suas semelhanças, mas nunca serão iguais, pois, mesmo na relação entre cliente e psicoterapeuta, juntos há algum tempo em terapia, não existe uma sessão igual à outra. A vida caminha para frente, jamais se dirige para o passado, mesmo que esteja falando e recordando dele.

A maior dificuldade do cliente no processo psicoterápico é compreender que tudo vem dele: dor, angústia, depressão, infelicidade, insegurança, medo, vícios, dificuldades de relacionamento interpessoal etc, sentimentos que vai juntando durante o período em que o mesmo evitou os problemas para não sofrer. Mas, a maioria de nós, temendo a dor envolvida, tenta evitar os problemas. “Nós adiamos o confronto, esperando que eles sumam; nós os ignoramos, esquecemo-os, fingindo que eles não existem. Até mesmo tomamos droga (incluem as medicações) para nos ajudar a ignorá-los, de tal modo anestesiando-nos que esquecemos as causas da dor” – M. Scott Peck – muitos clientes depressivos são dopados para não atentar contra a própria vida; mas esquecemos que morrer pode ser também quando negamos a vida, os problemas, os próprios sentimentos; é negar o confronto com a vida. Tentamos contornar os problemas ao invés de encará-los; tentamos sair deles ao invés de vivê-los e sofrer. Essa tendência a evitar os problemas e o sofrimento emocional tem sido a maior causa de doenças psicoemocionais que afetam toda humanidade. “A neurose é sempre uma substituta do sofrimento legítimo” – Carl G. Jung.

Muitas pessoas não querem ou não podem suportar a dor de desistir daquilo que já foi ultrapassado. Em conseqüência, elas se apegam, às vezes, para sempre, aos velhos padrões de comportamento e pensamento, deixando de lidar com qualquer crise, de verdadeiramente crescer e de experimentar a ditosa sensação de renascimento que acompanha a transição bem-sucedida para um maior amadurecimento psicoespiritual. Num crescimento e amadurecimento saudável, teríamos que abandonar alguns padrões de comportamento como: o estado infantil, quando não é preciso responder a nenhuma exigência externa; fantasia da impotência; o desejo de possuir totalmente (inclusive sexualmente) os progenitores; a dependência da infância; imagens distorcidas dos pais; a onipotência da adolescência; a “liberdade” do descompromisso; a agilidade da juventude; a atração sexual e/ou a potência da juventude; a fantasia da imortalidade do corpo; a autoridade sobre os filhos; várias formas de poder pessoal, visíveis em muitos profissionais, patrões e políticos; a independência da saúde física; e, finalmente, a personalidade e a própria vida. Renunciar a personalidade nos dá a oportunidade de conhecer a alegria mais beatífica, sólida e duradoura da vida, pois é a morte que dá à vida todo o seu significado. Este “segredo” é a sabedoria central da religião.

Assim, podemos dizer que a psicoterapia falha, não há a menor dúvida, porque ainda somos falhos e medrosos, incapazes de assumir a nós mesmos como realmente somos, incapazes de nos compreender físico, psíquico, emocional, social e economicamente. Fica claro que a felicidade, que todos buscamos, independe da nossa situação financeira, nível intelectual, social e, principalmente, do outro; ela está em sabermos utilizar bem e com sabedoria o conhecimento, experiência e as “armas” que você já possui.

Apesar do ceticismo de ambos os lados, a psicoterapia tem auxiliado um grande número de pessoas que levam a sério o objetivo a que nos propomos na vida, buscando o equilíbrio interior para suportar com sobriedade o “desequilíbrio” do mundo exterior, assumindo um compromisso sábio com a vida e o viver, procurando viver a vida sem medo do que dirão os outros, plantando o que se quer colher e sabendo que ninguém tem a capacidade de fazer o outro feliz ou infeliz ou mudar o outro; mas que é no processo da busca e do tentar que o ser humano encontrará consigo mesmo e, isto se dá no relacionamento interpessoal. Não podemos negar que quem se submete ao processo psicoterápico por um período “razoável” de tempo, com um profissional experiente e com ética pessoal, beneficia-se em muito e se torna mais capacitado para enfrentar os “solavancos” da vida, aprendendo a ouvir e falar, dizer sim e não, e sentir a si mesmo sem medo no momento “certo” através da construção responsável de si mesmo.

A psicoterapia falha, não tenho dúvida, mas falhará menos quando cliente e psicoterapeuta estiverem voltados para o mesmo alvo: o amor verdadeiro e honesto assentado no respeito mútuo à dor vivida por ambos.

*psicólogo, psicoterapeuta, filósofo e escritor


Fonte: http://www.dm.com.br/impresso/7714/opiniao/59161,quando_a_psicoterapia_falha#

2 comentários:

André Ribeiro de Santana disse...

A psicoterapia, como toda criação humana, tem seus prós e contras, pois, como toda criação humana, ela tem límites, e não teria como ser diferente, senão não seria humana. No fim das contas o genuíno desejo individual por mudanças, o que não atenua o ônus desse processo, faz toda a diferença, incluindo, é claro, uma psicoterapia bem sucedida.

Marisa de Abreu disse...

Creio que todo profissional consciente deseja ser infalivel, mas vamos lá... será que engenheiros, médicos, advogados são? Mas psicologos lidam diretamente com ajuda emocional, claro que fica muito mais delicado para nós quando percebemos que não somos perfeitos

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