5 de novembro de 2015

A perícia psicológica em casos de abuso sexual


É necessário que o psicólogo se atente para o maior número possível de elementos disponíveis, como a coleta do relato da situação vivenciada, a análise das repercussões físicas e psicológicas, entrevistas com os responsáveis, registros escolares, entre outros, a fim de que se obtenham conclusões confiáveis com relação às situações relatadas .Também é importante considerar se a situação descrita é condizente com experiências narradas por outras vítimas, se o afeto é correspondente ao conteúdo da verbalização, se o estilo de exposição se modifica quando o assunto específico da situação abusiva é introduzido e se há evidências de treinamento, indução, sugestão ou alguma motivação para aquela denúncia.

É preciso considerar a faixa etária da vítima, bem como a situação emocional desencadeada pelo possível abuso vivenciado. Conforme o protocolo empregado pela Universidade de Michigan a estrutura da entrevista deve contemplar, basicamente, três etapas: a etapa inicial (rapport, estabelecimento das regras básicas da entrevista, avaliação do nível de desenvolvimento do avaliado, bem como se o menor sob avaliação consegue distinguir realidade e fantasia, investigação de outras questões sobre a sua vida), a etapa focalizada no abuso (empregar perguntas abertas, indagar se o examinado conhece o motivo pelo qual está ali, estimular o relato livre e desenvolver questionamentos a partir do que é emitido) e a etapa do encerramento (informar ao periciado sobre os próximos passos a serem tomados, colocar-se disponível, ajudá-lo a restabelecer o equilíbrio, incluindo a manifestação de sentimentos, pensamentos e atitudes em relação à revelação e a situação vivenciada).

Dessa maneira, o relato da vítima constitui, na maioria das vezes, um dos principais elementos de prova e, por sua importância no processo, há grande ênfase, atualmente, na credibilidade do testemunho da vítima. Logo, a análise dos critérios de confiabilidade e validade do relato emitido pela criança ou adolescente a respeito da suposta situação abusiva vivenciada mostra-se fundamental). Um método que tem sido amplamente utilizado é o Statement Validity Assessment (SVA; Steller & Boychuk, 1992), que é composto por três etapas: entrevista semiestruturada, análise de conteúdo baseada em critérios (Criteria-Based Content Analysis - CBCA), em que se avalia a presença de critérios específicos considerados indicadores de credibilidade, e a lista de controle de validade dos resultados obtidos pelo CBCA.



Além de entrevistas com as vítimas e responsáveis, o uso complementar de testes psicológicos é um procedimento bastante utilizado, cujo objetivo é buscar sinais e sintomas cognitivos, emocionais e comportamentais compatíveis com a ocorrência do abuso sexual. No Brasil, os psicólogos devem selecionar, a partir dos instrumentos de psicologia reconhecidos pelo CFP, aqueles que mais atendam à criança e/ou ao adolescente, levando em consideração alguns critérios como a idade, as características da vítima e as circunstâncias de cada caso Convém ressaltar que não existem instrumentos psicológicos específicos direcionados para a constatação da violência sexual. Portanto, destaca-se prudência na busca por manifestações comportamentais compatíveis com essa vitimização, tendo em vista que muitos sintomas são inespecíficos e podem estar presentes em outros quadros, produzindo falso-positivos. Em virtude disso, é relevante uma análise da causalidade (nexo causal) entre o evento traumático experienciado e os sintomas manifestados, avaliando a presença de outros aspectos no histórico e no contexto de vida da criança que podem estar contribuindo para o quadro sintomatológico. Recursos lúdicos também são utilizados, visto que a brincadeira pode auxiliar o vínculo e fornecer indicadores sobre quais aspectos necessitam de investigações adicionais, além de corroborar impressões prévias sobre o nível de desenvolvimento e o funcionamento geral da criança.

De maneira geral, destaca-se a importância dos peritos respeitarem o ritmo de discurso da vítima e não emitirem julgamentos sobre o que está sendo relatado Devem estar atentos para a comunicação não verbal, para a tonalidade emocional e para a postura, aceitando possíveis incoerências, lacunas de informação e contradições no discurso do periciado. Além disso, deve-se cuidar para não contaminar os dados fornecidos pela vítima, criando falsas memórias.

Estudos têm investigado o processo de falsas memórias no relato de testemunhos, identificando que perguntas feitas de forma tendenciosa podem influenciar o relato, conduzindo a falsas confissões e a informações equivocadas, resultando, consequentemente, em depoimentos inverídicos. Deve-se, portanto, fazer perguntas abertas, não tendenciosas, de forma a não influenciar a vítima  Ao mesmo tempo, na realização da perícia psicológica, é preciso estar atento para a possibilidade de falsas denúncias, como em casos de divórcio, disputas de guarda, pensão alimentícia e alienação parental, situações nas quais um dos cuidadores pode influenciar a criança ou o adolescente a relatar uma situação abusiva com o intuito de prejudicar o genitor que está sendo acusado ou para obter algum tipo de vantagem. Assim, o psicólogo necessita constantemente atentar para esses inúmeros aspectos, considerando, também, que manipular a criança ou o adolescente a dar um depoimento falso pode ser considerado um tipo de violência e, inclusive, acarretar em sérias implicações para o seu desenvolvimento. Portanto, a atividade pericial requer tanto conhecimento aprofundado no assunto, quanto boa capacidade de tomada de decisão



  Percebe-se, portanto, que o depoimento da criança em juízo (prova testemunhal) e a perícia psicológica (prova material/pericial) não são procedimentos equivalentes, visto que possuem peculiaridades próprias e ocorrem em momentos distintos. Apesar disso, ambas as ferramentas são importantes, complementares e têm c como objetivo comum auxiliar no esclarecimento do caso.


Fonte:
Schaefer, L. S., Rosseto, S., & Kristensen, C. H. (2012). Perícia psicológica no abuso sexual de crianças e adolescentes. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(2). Disponível : <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v28n2/11.pdf>

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